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O futuro do tratamento do diabetes, teremos uma possível cura?

A diabetes foi uma das primeiras doenças descritas no mundo. Seu reconhecimento pode ser visto em um manuscrito egípcio do ano de 1500 a.C. Acredita-se que os primeiros casos descritos tenham sido de diabetes tipo 1. Além disso, na mesma época, médicos indianos  identificaram a doença e a classificaram como ‘madhumeha’ ou “urina de mel”, já que, segundo eles, a urina dos pacientes atraía formigas.

Os dois tipos dessa doença foram identificados como condições separadas pela primeira vez pelos médicos indianos Sushruta e Charaka em 400-500 a.C, com um tipo associado à juventude e outro tipo ao excesso de peso. Apesar de ter sido descoberta há tanto tempo, o tratamento eficaz não foi desenvolvido até o início do século 20, quando os canadenses Frederick Banting e Charles Herbert Best isolaram e purificaram a insulina em 1921 e 1922.

Atualmente, apesar de ser uma doença amplamente conhecida e difundida na sociedade, não existe uma cura para qualquer um dos tipos de diabetes. A maioria dos tratamentos ajuda os pacientes a controlar os sintomas até certo ponto, mas os diabéticos ainda enfrentam várias complicações de saúde a longo prazo.

Dessa forma, a indústria biotecnológica está se esforçando para desenvolver novos tratamentos e, consequentemente, uma cura. Assim, vamos dar uma olhada no que está se formando no campo e como isso mudará a maneira como o diabetes é tratado.

O diabetes Tipo 1 x Tipo 2

Como citado anteriormente, existem dois tipos de diabetes chamados de tipo 1 e o tipo 2. A principal diferença entre eles é que o diabetes tipo 1 é uma doença autoimune que faz com que o pâncreas pare de produzir insulina definitivamente. No diabetes tipo 2, o pâncreas ainda produz insulina; porém, além de ser insuficiente, as células respondem mal ao hormônio e absorvem menos açúcar em decorrência da resistência à insulina que ocorre nos órgãos e músculos.

A insulina tem como principal função controlar a quantidade de glicose no sangue após a alimentação. Por meio de um mecanismo de sinalização,  as células são informadas de que a glicose deve ser absorvida do sangue, já que está, em grandes concentrações, pode causar sérios problemas.

Dessa forma, a principal diferença entre os dois tipos de diabetes é que o diabetes tipo 1 é um distúrbio genético que geralmente aparece no início da vida, e o tipo 2 está amplamente relacionado à dieta e se desenvolve ao longo do tempo.

O princípio utilizado nesta estratégia de tratamento é substituir as células produtoras de insulina defeituosas nos pacientes por células ativas. Isso poderia potencialmente recuperar a produção normal do hormônio e, consequentemente, levar à cura definitiva.

No entanto, essa tecnologia está nos primeiros passos de desenvolvimento experimental e tentativas recentes de transplante pancreático demonstraram falhas devido às reações imunes que rejeitaram e destruíram as células implantadas.

O Instituto de Pesquisa em Diabetes nos Estados Unidos está criando um mini-órgão bio modificado no qual  células produtoras de insulina estão encapsuladas dentro de barreiras protetivas. Este mini-pâncreas é então implantado em uma parte do revestimento abdominal. Um estudo de fase I/II está em andamento, mas o Departamento de Relações Internacionais da empresa anunciou seus primeiros resultados bem-sucedidos em 2016, revelando que o primeiro paciente na Europa tratado com essa abordagem não precisa mais de terapia com insulina.

Embora as promessas sejam grandes, essas tecnologias ainda estão longe do mercado. Primeiro, os ensaios clínicos precisam mostrar que funcionam. Além disso, o preço pode ser alto, já que terapias celulares para outras aplicações, como oncologia, vêm com preços de seis dígitos e estão encontrando dificuldades para obter reembolso de companhias de seguro de saúde. Considerando que, em comparação com o câncer, o diabetes não é, na maioria das vezes, uma doença com risco imediato de vida, as seguradoras de saúde em alguns países podem relutar em cobrir o tratamento.

Diabetes a utilização de imunoterápico para atacar a origem

A empresa bélga Imcyse vem desenvolvendo um projeto que visa matar as células do sistema imune que destroem especificamente o pâncreas. A tecnologia foi projetada para intervir e interromper uma resposta autoimune em um momento em que o tecido danificado ainda pode se regenerar ou ser usado em combinação com as opções de tratamento atuais para fornecer uma abordagem de tratamento potencialmente curativa para doenças crônicas graves.

A tecnologia é baseada na inoculação de um peptídeo específico que se ligará às sítios de reconhecimento das células CD4, que promovem a destruição do pâncreas, eliminando-as após um tempo. Um estudo de fase I mostrou que não houve grandes problemas de segurança relacionados à imunoterapia e alguns benefícios clínicos também foram revelados.

Segundo o CEO da companhia, Pierre Vandepapelière, “Logo após o diagnóstico, entre três a seis meses, estima-se que cerca de 10% das células produtoras de insulina ainda estejam vivas e produzindo insulina. Depois de interromper o processo autoimune, as células beta restantes seriam protegidas e poderiam continuar produzindo insulina”. Dessa forma, para que o tratamento seja totalmente eficaz, essa tecnologia tem que ser utilizada logo após o diagnóstico.

Tratamento com pâncreas artificial

O tratamento com pâncreas artificial pode ser utilizado quando o paciente já perdeu suas células produtoras de insulina. Esse novo órgão é um sistema autônomo que pode mediar os níveis de glicose e injetar a exata quantidade de insulina na corrente sanguínea.

Segundo Roman Hovorka, professor na universidade de Cambridge, “a diabetes tipo 1 é muito diferente da sua doença padrão. As necessidades de insulina variam muito de um dia para o outro e não há como os pacientes saberem o que precisam”.

Seu grupo de pesquisa está trabalhando no desenvolvimento de um algoritmo que pode prever com precisão as necessidades de insulina para um paciente específico em tempo real, que pode ser usado para controlar a entrega de insulina por meio de uma bomba.

Estimulação da produção de insulina

Apesar de tantas tecnologias terem sido desenvolvidas nos últimos anos, a assustadora realidade é que os pacientes com o tipo 2 de diabetes ainda possuem uma precária condição de controle glicêmico. Dessa forma, a companhia francesa Poxel, está desenvolvendo uma nova forma de bater de frente com a doença. O segredo está no desenvolvimento de um fármaco que simultaneamente age no pâncreas, no fígado e nos músculos para reduzir os níveis de açúcar no sangue.

Segundo o CEO da empresa japonesa, “Acreditamos que seja o único composto oral com um duplo mecanismo de ação que é projetado diretamente tanto para aumentar a secreção de insulina em resposta à glicose quanto para melhorar a resistência à insulina. A mitocôndria é a central elétrica da célula e sua disfunção está implicada na fisiopatologia do diabetes tipo 2. Ao atingir as mitocôndrias – onde a disfunção é uma característica fundamental da fisiopatologia do diabetes, o fármaco pode promover simultaneamente a secreção de insulina das células b pancreáticas em resposta à glicose elevada, ao mesmo tempo em que alivia a resistência à insulina”.

O medicamento provou esse efeito em um estudo de fase III no Japão e, consequentemente, foi aprovado no verão de 2021. A Poxel está atualmente planejando um teste de fase III para o mesmo medicamento na Europa e nos EUA, onde também buscará aprovação.

Além disso, a fim de enfrentar a doença combatendo a obesidade, as empresas MorphoSys e Novartis estão projetando um anticorpo com o objetivo de reduzir os níveis de gordura, prevenir a resistência à insulina e controlar a alimentação excessiva.

Segundo a MorphoSys: “Anticorpos biespecíficos (BsAbs) são proteínas projetadas para reconhecer dois alvos diferentes ao mesmo tempo. Tais proteínas com funcionalidade de ‘dois alvos’ podem interferir com vários receptores de superfície ou ligantes de receptores. Os BsAbs também podem colocar alvos próximos, seja para apoiar a formação de complexos proteicos em uma célula ou para desencadear contatos entre células.”

Esses anticorpos irão conectar enzimas lipases às moléculas de lipídio, promovendo a quebra destas e diminuindo sua concentração nas células adiposas.

Utilizando o próprio microbioma humano

Os organismos que vivem dentro de cada ser vivo possuem funções extremamente importantes no dia a dia. O microbioma humano, e especialmente o microbioma intestinal, tem sido associado a várias doenças crônicas, incluindo o diabetes. Em pacientes com a doença, os níveis de microrganismos tendem a ser desbalanceados e menos diverso quando comparados a pessoas saudáveis.

Algumas empresas estão desenvolvendo tratamentos para diabetes visando o microbioma. A Valbiotis francesa está atualmente realizando testes de fase II/III para um medicamento destinado a aumentar a diversidade do microbioma como tratamento para diabetes tipo 2 em estágio inicial.

Embora promissor, o campo do microbioma é muito jovem e sua complexidade dificulta o estabelecimento de causalidade após encontrar correlação. Até que mais tratamentos para o diabetes sejam testados na clínica, será difícil determinar o real potencial do microbioma neste espaço. Com isso, diversas formas alternativas de tratamento estão sendo desenvolvidas para que as formas convencionais, tanto de medicação quanto de controle glicêmico, sejam substituídas. Espera-se que o mercado global de medicamentos para diabetes chegue a 68 bilhões de euros (R$ 400 bilhões) até 2026, e podemos esperar que todos os tipos de tecnologias revolucionárias apareçam e reivindiquem sua participação no mercado.

O que quer que o futuro traga, sem dúvida fará uma enorme diferença na vida de milhões de portadores de diabetes em todo o mundo.

ENRICI, A. W. O futuro do tratamento do diabetes: uma possível cura? Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/>